Cabos que logo deixam de funcionar, fones que não duram mais de 6 meses. A obsolescência programada toma conta de todo e qualquer equipamento. A proposta é produzir objetos com pouca durabilidade para que logo seja necessária a compra de outro, mesmo havendo tecnologia suficiente para produções de alta qualidade. Via de regra comprar um fone de 30, 40 reais é ter um produto descartável Pagando mais caro em produtos para ter alguma garantia de durabilidade.
Certa vez em um debate sobre clínica social uma pessoa comentou que não confiava em profissionais que ofereciam serviço a valores sociais, que quase sempre eram péssimos e sem qualificação. Uma clínica social que se propõe a um valor reduzido como forma de caridade ou para angariar público em forma de propaganda (inclusive é contra o código de ética) é um tipo bem danoso de clínica social. Poderíamos chamar de clínica caridosa ou clínica da obsolescência. Caridade é um movimento que fazemos e que via de regra nos gera a sensação de aplacar a angústia frente a tanta desigualdade e injustiça, caridade promove bem estar a quem pratica. Entretanto, na caridade não há compromisso. Uma clínica social sem compromisso ético e social é desserviço.
Essa clínica da benevolência caridosa pode inclusive ser bem danosa, contribuindo para a manutenção das forças de poder e adoecimento psíquico de sujeitos e grupos. Diferente da sensação que fazer caridade gera, uma clínica que se propõe de fato social, é angustiante, exaustiva, dá trabalho, exige deslocar nossas certezas, olhar para nossas contradições, cutucar as nossas feridas egoicas enquanto psi, exige ética inventiva. Ela não serve para aplacar as mazelas sociais, ela deve servir para alimentar a revolta, para ser perigosa ao sistema. A clínica social com população mais pobre, demanda que haja não só acessibilidade financeira, mas de outros protocolos. Essa clínica poderia ser chamada de clínica de guerrilha porque ela se põe como parte do jogo de forças sociais, econômicas e estéticas e não apartada dele.
É urgente pensar sobre o lugar mercadológico que a psicologia se propõe, tão descartável quanto fones de 30 reais. É preciso produzir uma clínica de alta qualidade, resistente e de resistência. É entender que uma clínica social precisa se propor eticamente aos atravessamentos que constituem o modelo neoliberal de mundo, o dinheiro/renda é só uma parte desse atravessamento. Ela precisa ser anticapitalista, precisa ser coletiva, trazendo, mesmo para o acompanhamento individual, a reflexão sobre processos que são produzidos para afetar grupos inteiros que não fazem parte da hegemonia. Toda clínica, então, deveria ser social. Texto por @ernesto_nunes_psi e Ivina Paiva
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